(1524? – 1580)
Pensa-se que terá nascido por volta de 1524. A sua formação académica foi realizada em Coimbra. A sua vida foi especialmente marcada por duas atividades: as armas, serviu como soldado em Ceuta, por volta de 1549-1551, aí perdendo um olho, e as letras. Fidalgo pobre mas atraente de porte e jovialidade, cabelos arruivados, olhos expressivos, modos de saber estar e falar. Era ainda um voluntarioso lutador e um hábil espadachim. Foi doidivanas, teve rameiras por companhia, arruaceiros, embarcadiços de passagem.
A vida de Camões decorre entre 1524 (possivelmente) e 10 de Junho de 1580. Durante este período reinam em Portugal D. João III, D. Sebastião e o Cardeal D. Henrique. Camões assiste ao fim do ciclo épico dos Descobrimentos, que foram uma das consequências e, porventura, também causa do desenvolvimento do espírito renascentista na medida em que contribuíram para o abrir de novos horizontes científicos e culturais ao homem europeu.
Viajante, letrado, humanista, trovador à maneira tradicional, fidalgo esfomeado, numa mão a pena e na outra a espada, Camões assumiu e meditou a experiência de toda uma civilização cujos conflitos viveu na sua carne e procurou superar pela criação artística.
A sua vivacidade e composição poética dá nas vistas. No seletivo ambiente da corte, as donzelas disputavam o
favor das suas estrofes numa folha de papel; e os " motes"
sucediam-se, devolvidos em glosa artística e elegante. Claro, que tanto talento e bonita figura
despertava algumas invejas, mais evidentes nos homens de letras, seus pares.
Camões, mesmo na condição de aio do nobre D. António de Noronha, não tinha qualquer condição
de manter amores na corte ou fora dela, com qualquer mulher de elevada condição
fidalga.
Se não bastasse um primeiro desengano de amor, aparece logo a seguir
um outro enlevo, mais profundo e inatingível, que marcará ainda mais a vida do
poeta. A Infanta D. Maria, irmã de D. João III, de uma cultura muito elevada e
personalidade vincada, vive independente no Palácio de Santa Clara, onde recebe
a fina flor das artes do país. D.Maria aprecia muito o génio de Camões, e nasce
entre ambos uma afinidade intelectual muito elevada, não pondo a Infanta
qualquer marca na tão elevada condição social que os separava. O poder régio é
informado: Camões é brandamente banido; parte para uma espécie de exílio
interno, sendo obrigado a permanecer a uma certa distância de Lisboa.
Camões inicia a sua longa diáspora que
há-de começar aqui e levá-lo a muitos lugares do mundo. Procura o bucolismo das
margens do Tejo. Em Ceuta perde a visão do olho direito. Regressa, e na entrega
de defender amigos, fere à espada um escudeiro da corte. É preso. Sai, e após duas semanas parte numa armada
para a Índia; logo à saída da barra perde-se por naufrágio uma das quatro
caravelas.
Camões, não obstante a dureza da viagem, maravilha-se nas observações
preciosas que contribuirão muito para a narrativa do seu épico poema. Naquele
Setembro de 1553, a nau São Bento chega a Goa. Daqui sai para outras paragens,
como soldado combatente das guarnições das naus. Vai conhecer as águas do golfo
Pérsico. Vai em frotas de comércio fazer negócios no Extremo Oriente. Assiste a
massacres. Ele, um humanista, tem que conviver com a desumana voragem da cobiça
do oiro e com o pouco valor dado à vida humana.
Chega a ir a Macau, onde se instala com os desvelos da sua companheira
Dinamene, numa gruta, pensa ter encontrado tranquilidade para acabar o seu
grande poema. A força bruta inquieta-o mais uma vez. Um capitão de nau que diz
ter pertença de leis naquele local dá voz de prisão a Camões. No regresso a
Goa, a nau naufraga. Dinamene morre, Camões nada com desespero apertando o
manuscrito dos seus poemas épicos, entre os fracos retalhos das suas vestes.
Vagueia, faminto e ferido por entre praias com gente estranha, comendo dos
parcos alimentos, dos restos das populações que encontrava. Consegue ir para
Malaca e depois para Goa. Parecem os " fados" querer dar algumas
tréguas ao poeta.
Passados estes na Índia pensa em regressar a Lisboa. Entra no
Tejo e revê as sete colinas e os ares de Lisboa, estivera afastado durante 17
anos. Sentia-se um estranho: envelhecido, pobre, quase sem conhecer alguém que
por ele tivesse interesse.
Depois de muito porfiar para obter permissão para publicar o seu poema
épico " Os Lusíadas" , com a ajuda de antigos amigos consegue que
fosse facilitada a licença régia. Finalmente o livro é impresso em 1572, tendo
os primeiros exemplares muitos erros tipográficas e ainda alguns cortes da
censura.
Apesar da sua grandiosidade, Camões viveu sempre com muitas dificuldades e desilusões. A sociedade corrompida e decadente em que se inseria nunca o reconheceu. As pessoas do seu tempo não souberam valorizar nem a obra nem o poeta. Após vários anos amargurados pela doença e pela miséria, o poeta morreu em 1580, no dia 10 de Junho.
Contextualização da época
O
século de Camões é marcado pelo grande movimento cultural do Renascimento. Ao
Teocentrismo medieval sucede o Antropocentrismo, em que o Homem passa a ser o
pólo central. O Homem assume o papel de sujeito da História e do progresso.
Do
ponto de vista da Renascença, estamos perante uma atitude de rejeição dos cânones da estética medieval que começa por
ser literariamente traduzida no cultivo paralelo das formas novas e da medida
velha, numa tentativa de conciliação
entre a modernidade e tradição.
O projeto renascentista radica numa intenção mais vasta de transformação,
buscando a substituição da mundividência
medieval, profundamente teocêntrica,
pela mundividência renascentista, de
cariz acentuadamente antropocêntrico.
Esgotados os parâmetros norteadores da estética medieval numa sociedade em
busca do seu próprio rumo e da sua afirmação através da revelação de «novos mundos ao mundo», não há lugar
para a manutenção de um substrato medieval.
A
descoberta geográfica do Universo e o surto científico a ela inerente fazem com
que o Homem, em geral, e o português, em particular, sintam renascer a força
criativa dos grandes génios da Antiguidade. A par desta atitude, e porque
consolidado o poder político na maioria das nações, procura-se a dimensão
perdida dos grandes focos polarizadores da cultura antiga — Grécia e Roma.
Assim, a uma época de apogeu cultural — a Antiguidade
Greco-Latina —, sucedeu uma época de decadência — a Idade Média —, para finalmente, a cultura ressurgir com o Renascimento.
Contexto histórico-cultural

Os Descobrimentos iniciaram-se com a conquista de Ceuta (1415) e posteriores descobertas da Madeira e Açores (1431), passagem do Bojador (1436) e do Cabo da Boa Esperança (1487), descoberta do caminho marítimo para a Índia e “achamento” do Brasil (1500).
Consequências dos Descobrimentos:
- avanços nas ciências (botânica, zoologia, biologia) e nas técnicas (conhecimentos de astronomia, construção de caravelas, elaboração de cartas geográficas, etc.) ;
- domínio do comércio mundial e afluência de grandes riquezas a Lisboa, o que, não obstante, não proporcionou um desenvolvimento significativo do nosso país que se via a braços com uma divida externa enorme (importações de prata e trigo, principalmente);
- consequências sociais graves : desagregação das famílias, novo-riquismo, grave falta de mão-de-obra;
- ascensão da burguesia.
Contexto cultural e religioso:
- vive-se o final da Idade Média, período histórico em que a cultura era dominada pela Igreja ao nível do ensino e da produção literária (monges copistas, hagiografia);
- em Itália começam a surgir novas correntes do pensamento que põem em causa conceitos seculares:
- o Teocentrismo (Deus como entidade superior que preside a tudo e comanda a vida) tendeu a ser substituído pelo antropocentrismo (o Homem considera-se capaz de abarcar o mundo e de comandar o seu próprio destino);
- o conceito de Geocentrismo (a Terra no centro do Universo) é substituído pelo Heliocentrismo (o Sol no centro do Universo);
Face a estas novas correntes do pensamento, que punham em causa as crenças impostas pela Igreja, surgem então em Itália novas correntes do pensamento: Humanismo e Classicismo.
É da conjugação destes dois novos movimentos que surge então um amplo movimento estético-cultural designado por Renascimento. Este movimento, que promoveu a redescoberta aceitação e valorização dos valores e formas clássicas, caracterizou-se por :
- exaltação do Homem e das suas capacidades ;
- predomínio da Razão sobre o sentimento e da observação sobre a teoria ;
- imitação dos clássicos (artes e letras) ;
- valorização da arte baseada no real, no conhecimento.
Perante um mundo em mudança, mesmo as mais sólidas crenças religiosas são postas em causa. As novas teorias antropocêntrica e heliocêntrica foram o ponto de partida para que sectores da Igreja começassem a pôr em causa dogmas tidos como intocáveis defendidos durante séculos por uma Igreja todo-poderosa.
Assim, em 1517, Martinho Lutero inicia um movimento de contestação à Igreja, movimento esse que ficaria conhecido por Reforma e que teria como reflexo a divisão dos países da Europa em católicos e protestantes.
Portugal no tempo de Camões:
No início do seu reinado, D. João III gozava ainda do prestígio e dos proveitos resultantes da expansão portuguesa. Com efeito, os extraordinários descobertas feitas pelos portugueses despertavam a admiração das cortes europeias e, por sua vez, o florescente comércio que se estabeleceu com os povos das novas terras despertavam a cobiça nessas mesmas cortes.
Porém, aos poucos, a política expansionista de D. João III vai perdendo as estruturas de apoio necessárias e, economicamente, o país vai entrando numa crise cada vez mais acentuada.
As razões dessa crise económica são as seguintes :
- uma empresa como a dos Descobrimentos exigia grandes recursos humanos quer fosse na construção de navios, quer fosse na tripulação dos mesmos. Desta forma, os campos esvaziaram-se de mão-de-obra, passando, por isso, a haver uma grande dependência de cereais em relação ao estrangeiro ;
- a falta de mão-de-obra reflete-se também nas manufaturas as quais pouco ou nada se desenvolveram .
Apesar da gravidade da situação económica, na corte continuava-se um tipo de vida luxuoso.
A sociedade portuguesa da altura, especialmente a nobreza que vira as suas propriedades desprovidas de braços que as trabalhassem, passou a depender quase totalmente do rei, o qual detinha um poder quase absoluto. De facto, a coroa detinha o monopólio do comércio e era a maior proprietária do reino, pelo que, continuamente afluíam a Lisboa todo o tipo de pessoas com o intuito de pedirem “mercês” ao rei.
Resumindo, o Portugal da época vivia já na sombra de uma grandeza que se vai dissipando e revelava já indícios de uma profunda crise em todos os sectores da sociedade e da economia.
É este o Portugal em que viveu Camões que, nomeadamente no episódio do Velho do Restelo parece pressentir a decadência provocada pelo declínio do comércio e pelo luxo despropositado de uma corte praticamente falida.
As figuras de proa do movimento gostavam de se apresentar como críticos do “obscurantismo” medieval, numa atitude de contestação à tradicional influência da religião na cultura, no pensamento e na vida quotidiana ocidental. O movimento renascentista começa por ser uma contestação da ideologia dominante durante o milénio medieval: à civilização cristã contrapõe-se uma ideologia antropocêntrica, revelando um desejo de fazer renascer a Antiguidade greco-latina, que, na interpretação então prevalecente, se caracterizara precisamente por colocar o Homem no centro do Universo e representava um ideal de civilização natural.
No Humanismo, o
homem encontra-se no centro das atenções, dando lugar ao antropocentrismo (Homem
no centro) que se opõe ao teocentrismo (Deus no centro).Trata-se de um movimento
intelectual europeu que procurou vigorosamente descobrir e reabilitar a literatura
e o pensamento da Antiguidade Clássica e que tem como
interesse central o Homem, no pleno desenvolvimento das suas virtualidades.
Classicismo
Os estudos das
poéticas de Horácio e de Aristóteles disciplinam a desordem
artística medieval. O enriquecimento filosófico e estético que oferece o estudo
de Platão, Homero, Sófocles, Ésquilo, Ovídio, Virgílio e Fídias dá aos valores
ocidentais maior dignidade artística e intelectual. A Itália, detentora dos
valores clássicos, latinos e gregos, é considerada o berço deste movimento, com
Dante, Petrarca e Boccaccio.
As influências em Camões
PETRARQUISMO Petrarca (1304-1374)
O lirismo
petrarquista, na sua concepção de amor puro e ideal, já se encontrava nos
nossos trovadores de amor cortês.
No petrarquismo é
escolhida a vida solitária. O poeta maltratado pelo amor, isola-se e busca na
natureza imagens que lhe permitem criar um confidente para estabelecer um diálogo
relativo às suas amargas meditações amorosas.
Petrarquismo consiste
essencialmente na livre expansão de uma alma enamorada de uma mulher ideal,
dotada de todas as perfeições e de todas as graças terrenas, que se ama com um
amor que aspira a libertar-se da mácula da sensualidade como meio de ascensão à
contemplação divina, mas que a cada passo recai no desejo de posse.
A mulher ideal tinha quase sempre cabelos de
oiro, olhar brando e sereno, riso terno e subtil, gesto manso, olhos verdes ou
de um suave azul, tez nívea e rosa, lábios vermelhos, etc. Era uma mulher angélica.
A obra de Dante, a
Divina Comédia, marcou uma época. Aí descreve-se uma visão na qual o poeta é
conduzido através do inferno e do purgatório, do paraíso e dos vários céus.
No episódio do
inferno descreve-se com imensa compaixão o castigo dos amores pecaminosos e
trágicos, fazendo ressaltar que o maior sofrimento que os amorosos padecem é a
recordação da sua imensa felicidade passada.
O Dantismo deriva
assim da Divina Comédia, e consiste em falar de amor relacionando-o com a visão
extraterrena daqueles que sofrem no inferno por terem amado.
PLATONISMO Platão
Para Platão existiam
dois mundos: o mundo sensível, em que habitamos, e o mundo inteligível, das
ideias puras e da suprema perfeição. O primeiro não passa de uma sombra do
segundo; neste reside a Ideia Suprema, a Suprema Beleza, enquanto que no mundo
sensível as realidades, porque sensíveis, são defeituosas. Ao Homem basta
aspirar ir ao encontro das realidades modelos.
Conclui-se que, para
Platão, no mundo sensível, na beleza da Natureza, no encanto físico da mulher
amada, não devia ver-se mais que um
reflexo da Suprema Beleza. Assim o verdadeiro amor será a ideia da amada vivida
pelo amante, isto é, o amor perfeito é aquele que dispensa o corpóreo e apenas
valoriza a ideia ou alma.
O amor carnal
contribui apenas para o agrilhoar da alma humana. A alma para voltar ao mundo
inteligível deve seguir o caminho da pureza e não conspurcar o que outrora já
foi perfeito.
LÍRICA
CAMONIANA
A obra lírica camoniana é marcada por uma dualidade: por um lado, a poesia de carácter trovadoresco dos cancioneiros, por outro, as novas composições introduzidas pelo Renascentismo.
Como poeta de transição, Camões revela a influência tradicional e a influência clássica na sua obra poética.
Como poeta de transição, Camões revela a influência tradicional e a influência clássica na sua obra poética.
A sua poesia é sustentada em polos antagónicos:
mulher ideal e perfeita / mulher feiticeira; amor espiritual /amor sensual; humildade / orgulho; inocência / sentimento de culpa; natureza como espelho da alma / natureza contrastante com o estado de alma.
Áreas temáticas:
O amor
amor físico vs amor platónico; a divisão interior do sujeito poético causada pelo conflito amoroso; o poder transformador do amor e os seus efeitos contraditórios.
A mulher
retrato da mulher perspetivada na conceção de Petrarca e Dante; a amada surge umas vezes como ser angélico, outras como ser maléfico; a mulher ideal é inacessível e intocável.
A natureza
encarada como fonte de recursos expressivos, sempre ligada à poesia amorosa; o locus amoenus.
A saudade
faz sofrer mas inspira; a ausência da amada é insuportável e divide o sujeito poético.
O tempo e a mudança
a mudança é cíclica e o tempo anula qualquer esperança.
O destino
é sobretudo na sua vida amorosa que Camões sente a presença maléfica do destino: tentando lutar contra a má fortuna, o sujeito poético recorda, muitas vezes, o bem passado.
A influência tradicional está presente nos temas e nas formas poéticas de cariz peninsular. Esta influência é também chamada de Medida Velha.
A influência clássica revela-se na importação dos temas e formas poéticas que se cultivavam em Itália. Esta influência é, também, denominada Medida Nova.
Áreas temáticas:
O amor
amor físico vs amor platónico; a divisão interior do sujeito poético causada pelo conflito amoroso; o poder transformador do amor e os seus efeitos contraditórios.
A mulher
retrato da mulher perspetivada na conceção de Petrarca e Dante; a amada surge umas vezes como ser angélico, outras como ser maléfico; a mulher ideal é inacessível e intocável.
A natureza
encarada como fonte de recursos expressivos, sempre ligada à poesia amorosa; o locus amoenus.
A saudade
faz sofrer mas inspira; a ausência da amada é insuportável e divide o sujeito poético.
O tempo e a mudança
a mudança é cíclica e o tempo anula qualquer esperança.
O destino
é sobretudo na sua vida amorosa que Camões sente a presença maléfica do destino: tentando lutar contra a má fortuna, o sujeito poético recorda, muitas vezes, o bem passado.
A influência tradicional está presente nos temas e nas formas poéticas de cariz peninsular. Esta influência é também chamada de Medida Velha.
A influência clássica revela-se na importação dos temas e formas poéticas que se cultivavam em Itália. Esta influência é, também, denominada Medida Nova.
Corrente tradicional:
Trova
Sois
uma dama
das
feias do mundode toda a má fama sois cabo profundo a vossa figura não é para ver em vosso poder não há formosura fostes dotada de toda a maldade perfeita beldade de vós é tirada sois muito acabada de tacha e glosa pois quanto a formosa |
de
grão merecer
sois
bem apartadaandais alongada do bem parecer bem claro mostrais em vós fealdade não há maldade que não precedais
de
fresco carão
vos
vejo ausenteem vós é presente a má condição em ter perfeição mui alheia estais mui muito alcançais |
Corrente
Renascentista: Sonetos
Ondados fios de ouro reluzente que agora da mão bela recolhidos, agora sobre as rosas estendidos, fazeis que a sua beleza se acrescente;
olhos,
que vos moveis tão docemente
em
mil divinos raios encendidos,se de cá me levais alma e sentidos que fora, se de vós não fora ausente? Honesto riso, que entre a mor fineza de perlas e corais nasce e parece, se n’ alma em doces ecos não o ouvisse!
Se
imaginando só tanta beleza
de
si, em nova glória, a alma se esquece,que fará quando o vir? Ah! quem a visse! |
Amor
é um fogo que arde sem se ver,
é
ferida que dói, e não se sente;é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer.
É um
não querer mais que bem querer;
é um
andar solitário entre a gente;é um nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder: É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade.
mas
como causar pode seu favor
nos
corações humanos amizade,se tão contrário a si é o mesmo Amor? |
Transforma-se
o amador na coisa amada,
por
virtude do muito imaginar;não tenho, logo, mais que desejar, pois em mim tenho a parte desejada.
Se
nela está minh’alma transformada, que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si
somente pode descansar,pois consigo tal alma está ligada.
Mas
esta linda e pura semideia,
que,
como um acidente em seu sujeito,assi co a alma minha se conforma,
Está
no pensamento como ideia:
[e] o
vivo e puro amor de que sou feito,como a matéria simples busca a forma. |
A EPOPEIA
Justificação para a elaboração de Os Lusíadas:
Destacava-se a falta de uma epopeia, género literário de excelência, que glorificasse os atos (Descobrimentos) , levados a cabo por um povo (os portugueses), atos esses que se revestiram de interesse máximo para a Humanidade.
Assim, no que respeita à justificação para a elaboração de Os Lusíadas , deve atender-se aos seguintes aspetos:
- através dos Descobrimentos, os portugueses “deram novos mundos ao mundo”, não só em termos de conhecimentos geográficos, mas também nos aspetos da ciência, do comércio e até da expansão da fé cristã;- os humanistas portugueses eram unânimes em considerar que um acontecimento da envergadura dos Descobrimentos merecia uma obra que os imortalizasse;
- a grandeza dos feitos praticados só seria devidamente enaltecida através de uma epopeia, a mais alta expressão da literatura.
Garcia de Resende, Diogo de Teive, João de Barros, António Ferreira e Pêro Andrade de Caminha sentiram-se encorajados a escrevê-la, mas só Camões teve “engenho e arte” para o fazer.
OS CLÁSSICOS, A MITOLOGIA E CAMÕES
Em Camões, ou mais
propriamente em Os Lusíadas, nota-se a influência de Homero, com a sua Ilíada, ou de Virgílio, com a sua Eneida.
De facto estes clássicos foram os mentores da epopeia, narrativa que traduz os
atos heroicos ou o espírito de um povo e os transmite para o humanidade. As
regras destas duas antigas epopeias, seguiu-as Luís de Camões.
Camões, não sendo
pagão, utilizou a mitologia não apenas como recurso estético, mas também como
indicador renascentista da convicção que o homem tem da ausência de limites
para as suas possibilidades.
É em Virgílio que
vamos encontrar os deuses que Camões nos apresenta. Mas se a Eneida de Virgílio é a principal fonte
inspiradora do maravilhoso d’ Os Lusíadas,
é, todavia, a realidade de crença greco-romana que o renascentista procura
identificar.
Enquanto o poeta
grego, Homero, visualiza a intervenção dos deuses na vida helénica e acredita,
o poeta romano, Virgílio, recolhe crenças sobre as antigas religiões. Camões
por sua vez procura na mitologia e em Homero e Virgílio um paralelo para cada
herói português, um ser capaz de sentir, se apaixonar, mas nunca sair
derrotado. Se Camões utiliza a mitologia não é apenas para fins artísticos ou
lúdicos, é também para valorizar os feitos dos lusitanos, seres capazes de
vencer tudo e todos, inclusive forças superiores.
Os homens conceberam os
deuses não para terem algo com que se entreterem, mas porque achavam
inconcebíveis certas coisas sem explicação possível para o raciocínio humano.
Ao contemplar o mundo
mitológico, deparamos com deuses semelhantes aos seres humanos, com sentimentos
e paixões humanas, mas mais belos e mais fortes do que os homens. Além disso
eram imortais e não se alimentavam de comidas e bebidas vulgares, mas de
ambrósia e néctar. Apesar de tais atributos existia hierarquia entre eles.
Júpiter (Zeus)
|
Décimo segundo filho de Saturno (Crono) e de Reia e
neto de Urano (deus do Céu). Casou com Juno (Hera), sua irmã, e foi pai de
todos os deuses. Sucedeu no trono a Saturno.
É o senhor do Céu, da Terra e deus das tempestades. O
epíteto de Tonante resulta desta última atribuição.
|
Neptuno (Posídon)
|
Irmão de Júpiter e filho dos mesmos pais. É o deus dos
mares e é geralmente representado conduzindo um carro puxado por golfinhos e
com um tridente na mão.
|
Plutão (Hades)
|
Irmão dos anteriores, partilha com ambos o Universo. É
o deus das regiões subterrâneas, onde se localiza o Inferno.
|
Marte (Ares)
|
Filho de Júpiter e Juno. É o deus da guerra.
|
Vénus (Afrodite)
|
Filha de Júpiter e de Dione. É a deusa da beleza e do
amor. Casou com Vulcano, mas por vezes preferiu-se envolver com outros
deuses, como, por exemplo, marte, de quem teve Cupido.
|
Baco (DIONÍSIO)
|
Filho de Júpiter e de Sémele. porque Juno causara a
morte de Sémele, por vingança, Júpiter salvou o filho recolhendo durante o
resto dos nove meses na barriga da perna. É o deus do vinho e da fertilidade.
|
Febo ou Apolo
|
Filho de Júpiter e de Latona e irmão de Diana. Deus da
luz, poesia, música e artes. Chefe das nove musas: Clio, musa da história;
Urânia, musa da astronomia; Talia, musa da comédia; Terpsícore, musa da
dança; Calíope, musa da poesia
épica; Melpómene, musa da tragédia; Euterpe, musa da música; Érato, musa da
poesia amorosa e da arte mímica; e Polímnia, musa da ode.
|
Mercúrio (Hermes)
|
Filho de Júpiter e de Maia. É o deus dos ladrões,
comerciantes e da eloquência. Desempenhava as funções de mensageiro dos deuses.
|
Vulcano
|
Filho de Júpiter e de Juno. Deus do fogo e das artes
metalúrgicas, casou com Vénus e forjava raios para o seu pai.
|
Diana
|
Filha de Júpiter e de Latona. É a deusa da caça e da
castidade.
|
Palas (Atena ou Minerva)
|
Concebida no cérebro de Júpiter, surgiu através de uma
machadada de Vulcano na cabeça do pai dos deuses. É a deusa da sabedoria, da
guerra e das artes.
|
Parcas
|
Presidiam ao destino dos homens.
|
Orfeu
|
Filho de Calíope e de Apolo. Grande tocador de lira.
|
Tethys
|
Deusa menor, casou com o Oceano. Mora na extremidade
ocidente, onde o sol se esconde.
|
Thetis
|
É uma divindade marinha e imortal.
|
Atlante ou Atlas
|
Sustenta o céu em cima dos ombros.
|
Definição de
epopeia
Uma epopeia, forma literária da Antiguidade Clássica, define-se
como uma narrativa, estruturada em verso, que narra, através de uma linguagem cuidada, os feitos grandiosos de um herói, com interesse para toda a Humanidade.
Aristóteles, filósofo grego que viveu durante o séc. III a.C. descreveu os requisitos necessários
à composição de uma epopeia:
Ao analisarmos Os Lusíadas, e depois de conhecermos os elementos constituintes
de uma epopeia, concluímos
que Camões segue, em muitos aspetos, o
modelo clássico apresentado.
O herói dos Lusíadas é um
herói coletivo e não individual, como nas antigas epopeias. O povo
português é o protagonista
desta epopeia, “o peito ilustre lusitano”,
simbolicamente representado por Vasco da Gama que, ao narrar a história da pátria ao rei de Melinde, revela a
heroicidade do seu povo.
Acão:
A ação d’Os Lusíadas é plena de heroísmo pois narra a descoberta do caminho marítimo para
a Índia, um acontecimento com interesse universal. A ação d’Os Lusíadas apresenta quatro qualidades:
- unidade:
é um todo harmonioso. Todos
os factos estão intrinsecamente
ligados;
- variedade: apresenta grande variedade de episódios (mitológicos, bélicos, líricos, naturalistas e simbólicos);
- verdade: o assunto é quase na totalidade real,
com alguns momentos de verosimilhança;
- integridade:
a narrativa pode ser dividida
em três momentos determinantes:
* introdução
(Canto I, estrofes 1 a 18)
*
desenvolvimento ( Canto I, estrofe 19 a Canto X, estrofe 144);
* conclusão (Canto
X, estrofes 145 e 146
Narração In Media Res:
No início da narração (estrofe 19, Canto I), a ação apresenta-se numa fase adiantada, in
media res – “Já no largo Oceano
navegavam”; mais adiante,
através de uma analepse, narram- se os preparativos
da viagem, as despedidas em Belém, o discurso do Velho do Restelo e a partida para a Índia (Canto
IV).
Maravilhoso:
N’Os Lusíadas há a intervenção de entidades sobrenaturais pagãs, os deuses venerados na civilização greco-latina, que favorecem
os portugueses – adjuvantes, como Júpiter e Vénus – ou
os que prejudicam
–
oponentes, como Baco
que
se
revela o principal opositor
dos marinheiros. Trata-se
do maravilhoso pagão.
- Proposição: o poeta expõe os seus objetivos (Canto I, estrofes 1 a 3);
- Invocação: Camões pede inspiração às Tágides (Canto I, estrofes 4 a 5);
- Dedicatória: o poeta dedica a obra ao rei D. Sebastião (Canto I, estrofes 6 a 18);
- Narração: a ação é iniciada in media res (Canto I, estrofe 19 até ao fim).
Estrutura externa:
O poema está dividido em 10 Cantos, com o total de 1102 estrofes. As estrofes são oitavas, o
verso é decassilábico, predominando o verso heroico. A rima é cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos: abababcc.
Considerações do Poeta:
Camões faz
algumas intervenções, sobretudo
no início e no final do poema,
mas
são reduzidas.